Sou espelho, mais côncavo do que convexo, que reflete o mundo das gentes que sequer conheci. Forço uma nitidez às situações imaginadas para compreender os meus sofreres, tão meus, mas também tão deles, vidas que se intrincam na terceira pessoa do plural.
Dirijo meu olhar esférico às experiências emocionais circulares, aos relâmpagos que iluminam, em fachos, os sótãos da nossa história imigrante. Nada mais constante do que a existência, em minha memória, de contentamentos e descontentamentos de pessoas que sequer foram apresentados umas às outras, formalmente. Dá para sentir a energia de um desconhecido passado, presente.
A existência deste pretérito emocional, concluo ser um reservatório de silêncio ultramar, acomodado e resignado, gravado nas entranhas codificadas dos descendentes. Ele se propaga em mim como as ondas que reverberam circulares ao lançamento de uma lasca de pedra plana na superfície das águas de um rio. Minha vida é um pulsar constante de tentativas, tantas quantas necessárias, para conquistar das pedras os três pulos e assim, proferir um desejo. Escrevo prosa para acabar em poesia. Ressinto aflições para alcançar a calmaria. Enxergo as emoções enroladas às roupas amassadas para resistir à travessia.
São cantos, como aqueles de Camões, que se escondem nos baús, nas fotografias amareladas e nas lembranças forçadas. (En)cantos geradores de luz incidente, em meu côncavo espelho, que revela o prisma das dores e das cores, da minha gente.
Eu, em labaredas,
Eu, no crepitar das gerações,
Eu, nos códigos de herança.
Expressões evidentes
Que trafegam
Experientes,
Em meu caminhar.
Eu, no arrasto das marcas,
Eu, na vida adiante,
Eu, a cada acordar.
Enriquecida das dores
De vidas lançadas,
De emoções enroladas,
Nas roupas amassadas
Que atravessaram o mar.
Texto por Ana Stela Goldbeck