Dia frio de inverno, ótimo para um café, uma boa conversa ou apenas boa companhia. Sem ninguém para isso, vou à padaria sozinha pedir com muita calma algo para acompanhar o meu habitual capuccino. Sento-me no lugar mais escondido possível, mas com vista para o movimento da rua ou do próprio lugar, em meio à solidão é um afago ver pessoas, ouvir vozes e trechos de conversas. Não costumo prestar atenção em conversas alheias, mas no mesmo dia passei por uma senhora que dizia não ter mais ânimo para fazer nada, nem ao menos sair de casa, desde o momento que tais palavras de uma pessoa que já viveu mais que duas vidas inteiras minhas, passei a prestar atenção.
Sem compromissos ou horário, procuro pelo jornal que normalmente tem uma crônica no início, particularmente a melhor parte do jornal (não querendo desmerecer as palavras cruzadas, mas elas não têm como competir como uma boa leitura). A crônica geralmente trata de algum assunto profundo que “passa batido” no dia a dia, como as palavras da senhora, que pelo que consegui perceber, não foram ouvidas com a devida atenção. Nesse caso era sobre velhice, morte, e vida após a morte (algo normalmente encarado como um peso, um tabu), pensamentos que todos têm, mas poucos se encorajam a refletir e escrever com alegria e leveza.
Tanta reflexão me fez querer ao mesmo tempo escrever sobre, mas também despertou o desejo de esquecer o que ainda está por vir e simplesmente viver. Aproveitar meu tempo sozinha para sentir falta de ter alguém, para aproveitar ainda mais o próximo encontro com qualquer pessoa, que certamente vai falar algo que disperse tudo isso e me faça esquecer das palavras da senhora que deveria estar feliz com a vida que ainda tem, com a companhia que estava caminhando ao seu lado na rua e a família que possivelmente tenta mima-la por ter vivido e sofrido tudo e mais um pouco do que lhe era destinado.
Agora as palavras cruzadas, que antes eram minha segunda opção, são a companhia que esperava para esquecer o sentido da vida e a velhice que está por vir. Se tinha algo para escrever à respeito, esqueci. Deixei naquele momento, na crônica de padaria.
Texto por Érika Novello de Farias