Das andanças na floresta

Cena do filme Bird Box (Foto: Reprodução)

 

“No meio do caminho de minha vida, acordei em uma selva escura”, escreve Dante, na Divina Comédia, iniciando uma busca que vai levá-lo à transformação e à redenção.

Uma jornada através da escuridão da floresta é um tema comum nas histórias: o heroi, ou se embrenha na floresta perigosa para alcançar seu destino, ou é abandonado ali, ou exilado ou deixado à morte. O caminho é difícil e traiçoeiro, com lobos, fantasmas, feiticeiras e monstros, mas com ajudantes também, como fadas boas, sábios anciões e animais-guia, geralmente disfarçados à primeira vista. A tarefa difícil do heroi é separar o joio do trigo; saber em quem confiar e seguir adiante.

No filme recente Bird Box, a protagonista tem que atravessar vendada uma floresta, com duas crianças que dependem dela para sobreviver e que não podem tirar as vendas dos olhos nem dar ouvidos a vozes que lhes instruem a tirar essas vendas. Depois dessa travessia, têm que percorrer de barco a remo um rio repleto de corredeiras, ainda com as vendas nos olhos. Ao chegar ao destino final, ela percebe que pode, finalmente, confiar em si mesma como mãe e amar as crianças sem sufocá-las. A escuridão imposta pelas vendas, a floresta e o rio lhe possibilitaram essa transformação. Às vezes não há nada a fazer a não ser lançar-se no desconhecido.

A floresta escura não é uma fantasia romanesca, no estilo Robin Hood, ou Disney, com anões assobiando a caminho do trabalho. É, outrossim, a floresta primeva, selvagem, simbólica das profundezas da alma e dos níveis mais profundos da psique: é a floresta de onde muitas vezes não conseguimos sair com tanta facilidade.

Conhecer e amar a floresta é tomá-la no seu todo, na luz e na escuridão – as ravinas ensolaradas, mas também os pântanos enevoados; as árvores frondosas, mas também aquelas curvadas e sem folhas. A escuridão representa um lado da vida mais difícil de suportar: os traumas e as atribulações, as falhas e os segredos, a doença e a tragédia. São esses elementos que vão nos transformar e nos formar. Se não formos cautelosos na travessia, podem ser os mesmos elementos que vão nos derrotar ou destruir. Contudo, se cruzarmos essa floresta escura com coragem, persistência e sabedoria, podemos sair dela como herois. Herois de nós mesmos.

Não há como fugir da floresta. Todos nós, volta e meia, acabamos lá. E podemos escolher entre ficar parados no mesmo lugar gritando por ajuda – que pode nunca aparecer – ou desenvolver nossos recursos e conhecermo-nos melhor para fazer uma travessia bem-sucedida – mesmo que de olhos vendados.

 

Texto por Luciana Lhullier