ESCOLHAS

“Eu sou a Leda. Eu escolhi ser feliz e paguei o preço disto”.

Era só mais um encontro do Clube do Livro. Cumprimentos. Sorrisos. Um chazinho para aquecer a noite. O livro a ser debatido era “A Filha Perdida, de Elena Ferrante.

De repente, tudo ficou diferente. Depois da abertura pela nossa mediadora e curadora, um silêncio inédito tomou conta do nosso grupo de quase 30 mulheres. Passada a surpresa, as manifestações foram surgindo e abordando os temas tratados no livro, como maternidade, carreira, até mesmo a identidade da escritora entrou no debate. Aos poucos, a água foi fervendo e chegamos a um desabafo sobre um atraso quando seu compromisso não era a prioridade do outro. Surgiram palavras como “sufocamento” e até uma menção em tom de brincadeira “por que aquela diaba pegou a boneca?”.

Algumas viram o filme e não gostaram da protagonista. Com o livro e mais detalhes, acharam as justificativas ou o contexto para dar lugar a uma certa empatia. Mas o incômodo era presente em todas as falas. Afinal, por que a Leda havia feito isso. Amava ou não amava as filhas? O que significava “estou morta, mas bem”? “Se fosse um homem, não haveria sequer enredo. Eles sempre fazem isso, sem ser questionados”, foi mais um dos enfoques do debate.

Segui atenta, ouvindo. Meus pensamentos não estavam bem ordenados. Havia adorado o filme. Simpatizada com a personagem. Acreditava no amor dela pelas filhas, apesar do que havia feito. Ainda assim, eu também sentia desconforto. Faltava preencher alguma lacuna daquela estória e de como ela havia se conectado comigo.

Então, surgiu um depoimento que começou mais ou menos como a primeira frase deste texto e, então, entendi o que havia me prendido naquele livro e naquele debate.

O LIVRO NÃO É SOBRE A FILHA PERDIDA, É SOBRE ESCOLHAS. Escolher não é fácil. Muitas de nós não sabemos, não podemos, não queremos. Sobram dúvidas. Nos deparamos com perdas, erros, julgamentos e até arrependimentos. Como dizem “a cada escolha, uma renúncia”. Por outro lado, uma decisão demonstra vontade, desejo e coragem. No caso do livro, ela deixou as filhas, porque quis. Ela voltou, porque sentiu falta. Ela pegou a boneca porque deu na telha. Ela não cedeu o seu lugar na praia porque não estava confortável onde estava e não tinha vontade de agradar, naquele momento.

Os motivos de todos estes atos, o que precedeu cada uma dessas decisões, eu deixo para as psicanalistas. Para mim, a potência do livro e do debate está no fato da LEDA TER ESCOLHIDO UM CAMINHO DIFERENTE DA MAIORIA.

Ser a protagonista da sua própria vida, sem seguir um roteiro padronizado é instigante e ao mesmo tempo ameaçador. Abala nossas certezas. Mostra nossa vulnerabilidade, expondo que “é possível”. Afinal, alguém fez. Também pode causar repulsa, claro, o que nos leva a outra reflexão, porque está me causando repulsa algo que foi a escolha de outra mulher? Talvez este tenha sido o motivo do silêncio inicial.

O importante é que mantenhamos a vida em movimento, estejamos abertas a conhecer outros caminhos. Ainda bem que temos tantas mulheres corajosas que, com suas decisões de quebrar padrões e paradigmas, nos levam a reflexão. Elas vão carregar o peso e a liberdade de terem escolhido um caminho, seja ele qual for. O caminho trilhado por outra, pode nos dar a certeza de onde estamos ou para onde podemos ir.

Que possamos encontrar muitas Ledas pelo nosso caminho. Que elas sejam acolhidas.
Vivam as Ledas e sejamos felizes, apesar do preço.

Biografia da autora:
GERMANA HARDMAN – uma paraibana, com alma carioca e que escolheu morar no Rio Grande do Sul, onde vive há mais de 15 anos. Advogada, como formação e profissão. Apaixonada por letras, livros e gente. Em 2023 publicou de forma independente seu primeiro livro – Entre Nós, onde aborda o tema pela qual é fascinada: AMIZADE.