Para todas as pessoas que vivem no caos,
mas ainda olham para as estrelas,
para Andrea Pace e seu amor pelas montanhas.
O DESPERTAR DO ESCORPIÃO-LUZ
O que nos fazem diferentes das estrelas?
As estrelas também estão sozinhas naquela imensidão, no entanto
brilham para o mundo.
[…] pois elas olham
igualmente para nós
e nos desejam […]
HILDA HILST, X.
Maria estava deitada no topo da Montanha do Roncador e ao seu lado estava Zito.
– O que você vê quando olha para as estrelas Maria?
– Ora! Eu gosto de procurar as constelações Zito! Eu gosto muito quando a de escorpião aparece no céu.
– Arre! Pois eu só vejo um monte de estrelas Maria! Nunca vi esse escorpião aí que você tá falando.
– Presta atenção Zito, se tu olhar bem – pegando delicadamente o queixo, suas mãos pequenas orientavam a cabeça de Zito para o lugar do escorpião no céu – olha! Ali aquele montinho ali – falava com a segurança e a firmeza da palavra de um profeta – é o rabo dele, depois é só seguir pelo resto e logo você vai ver o corpo, entendeu?
— Ah! Ah! Maria, sim é mesmo! Mas tava alí o tempo todo? E a gente nem vê! É um escorpião no céu. É bonito mesmo! Maria olhava para o céu. Acreditava no que via. Enquanto Zito brincava de descobrir a montagem do escorpião no quebra-cabeça de estrelas. Olhando aquela imagem, Maria mergulhou mais no vasto oceano da mente. Perguntava: quem teria sido o primeiro homem ou mulher, aquele(a) que um dia fora seu ancestral; quem foi aquele(a) que parou tudo só para olhar para as estrelas e viu lá no céu um escorpião tão grande que levava uma noite toda para atravessar o céu. Esta mulher via o mesmo que ela via? Aquilo que Zito não enxergava sozinho. Mesmo em tempos tão distantes, o passado, o presente, o escorpião sempre fora o mesmo deste céu?
– Será que o tempo tem distância?
Essas perguntas já viviam em Maria há muito tempo. Ali naquela montanha já não se limitava mais a ela uma Maria jovem ainda. Agora, elas (perguntas) saiam, superavam as barreiras físicas do corpo, livres, soltas na atmosfera e com um destino. O mesmo destino que leva um rio ao mar: as perguntas percorriam anos-luz, pelo tempo sem distância, até alcançar as estrelas.
Maria pensou alto, balbuciou algumas palavras – inconscientemente – mas o pedido para as estrelas era um segredo testemunhado apenas entre ela e a montanha. Zito não era tão sagaz como Maria para perceber essas sutilezas de comunicação. Ela tinha um coração puro, delicado, beirando a ingenuidade. E falava baixinho:
– Por favor, estrelas eu sei que vocês já se mostraram para eles, então qual é o segredo que tá neste céu? Zito ainda olhava para o pátio de estrelas, sem perceber Maria.
Maria já fora como Zito, por mais que as estrelas piscassem em cima de sua cabeça, ela não as via, ou melhor, não via o escorpião e nem quando as outras se juntavam criando as Ursas, a Ema, o Homem Velho que sua avó tanto falava e nem as vias em suas mudanças de cores – isso mesmo, as estrelas mudam de azul turquesa para vermelho rubi, de verde para rosa, amarelo para furta-cor, numa apoteose de cores. – Mas é preciso olhar para elas, e amá-las para vê-las! – Tita sua avó costumava dizer. Mas Maria era apenas uma criança nessa época e brincava de procurar as estrelas que caíam do céu – sim as cadentes! E pouco se importava com as grandes constelações que moravam naquele espaço.
Ela continuava subindo a montanha do Roncador aos finais de tarde. Olhava a cidade que cabia na sua mão, lá de cima. Olhava para o céu. Às vezes sozinha, às vezes Zito a seguia. Maria e Zito cresceram juntos e eram muito próximos, bons amigos. Confidentes de sentimentos um do outro.
No lusco-fusco de um dia de inverno Maria subiu o Roncador sozinha. De braços cruzados para manter o calor no seu peito. Cabeça baixa para desviar do vento cortante no rosto, coberto pela echarpe de viscose que mantinha apenas seus olhos expostos ao frio, pois vagava uma noite fria pela montanha. O vento cortante carregava aquele som frio que ardia. Maria andava com cuidado pelo caminho gelado, calculando os passos para não cair, não temia a queda, temia o frio que a espreitava. Mas existia as delícias das montanhas.
– Das montanhas o mundo cabe dentro dos olhos. E se está mais perto das estrelas! – ela falava para si sorrindo.
O grande escorpião aparecia cedo no início da noite. – Bem ali atrás daquelas colinas! – ela costumava dizer para Zito.
A constelação subia devagar. Cintilante. Maria se deitou na relva úmida pelo orvalho, e esperou o grande escorpião chegar. Ele subia, subia. Devagar. Subia no globo. Subia na noite sem lua, na noite sem nuvens, na noite do pálio cravado de estrelas!
Maria adormeceu, embalada pelo som da montanha, pelo cheiro fresco de orvalho, pelos grilos, pelo huu! da coruja, pelo carinho da terra. Coberta pelo manto de estrelas. Maria descansa, totalmente entregue.
A festa começa!
As estrelas de escorpião brilhavam. Aquele brilho lustroso, cintilante,
capaz de ofuscar qualquer estrela fora do corpo escorpiano. Era um
escorpião. Um escorpião de diamantes!
O ar está diferente agora. Ele faz um carinho no rosto, uma mão de
seda acorda Maria.
– Oh! – Maria não conteve a surpresa.
As estrelas brilhavam, num pisca-pisca, num pulso de movimento. E começavam a andar, numa escalada espiral, desconstruindo o céu, num leve andar esplendoroso de luzes. Era o escorpião despertando, quebrando o encanto sob o qual hibernava. Acordado por Maria, ele ganhava vida e celebrava. O escorpião ganhava forma, movimento. Era o ritual das origens. Ele ia se movimentando naquela espiral, mais rápido, mais e mais rápido. Maria sentou-se, apurou a vista. Mirando aquele céu preto com tons de azul, era a única espectadora daquele espetáculo. E o escorpião seguia o movimento de espiral pelo céu, já era uma dança. As estrelas de escorpião davam um show tomando conta do céu, brilhando e piscando para Maria. Era uma experiência pura.
– Então é assim! – sorriu entusiasmada.
Maria descobrira como falar com as estrelas. Assim como o fogo está na pedra, o vento nas folhas do jacarandá, as estrelas estão em Maria. É a experiência pura da primeiridade.
Biografia da autora:
Eu sou Maria Giudelandia de Sousa. Difícil de me definir, não gosto de limites, todos me conhecem por Giuda, tenho um sorriso fácil, sou de viajar, gosto dos encontros, gosto de gente, de cerveja vermelha, eu amo o mar. Sou muitas dentro de mim, agora: eu sou 36 anos de vida, 10 anos de enfermeira, 2 anos de capoeira angola e yoga. Nascida no Piauí em Picos, mas crescida nas terras vermelhas de Ipiranga do Piauí. Hoje moro em Teresina com Bella, minha cachorra, e a poesia está nos meus olhos desde a primeira vez que olhei para o céu (quando criança) e me perguntei: de onde vem a chuva?