Um olhar sobre A Cabeça do Santo em nosso clube de leitura

O livro de setembro do clube Fê Pandolfi + WAS foi “A Cabeça do Santo” de Socorro Acioli. De início já me agradou poder ler uma autora brasileira, mulher e nordestina. O livro é leve, uma espécie de novela tragicômica com um final feliz. Confesso que na primeira leitura, achei o final muito previsível e me decepcionou um pouco. A minha segunda leitura foi a discussão sobre o mesmo no clube do livro. Escutando outras mulheres no grupo, gostei mais do final do livro. Quero falar sobre o livro, mas também falar sobre o poder do grupo de leitura – momentos de risadas, aprendizados, trocas e autorrevelações que nos aproximam e nos conectam. Falar em público nunca foi uma tarefa simples pra mim, tímida, tinha vergonha de me expor. Sem dúvida, escutar outras mulheres no grupo me ajudou e me ajuda a “me escutar” melhor. Vamos nos identificando e nos formando como indivíduos leitores a partir da interação. E no clube de leitura, vamos formando nosso self, nossa identidade como leitores. Essa conexão nos ajuda a ler melhor o mundo.

Voltando ao livro, separei alguns trechos do livro que me impactaram e que acho que exemplificam alguns pontos que quero destacar.

Primeiro a aridez, o personagem se encontra em uma situação subumana, de fome, privação de necessidades básicas.

A aridez
“Ele não tinha mais sapatos e seus pés, àquela altura, já eram outra coisa: um par de bichos disformes. Dois animais dentados e imundos. Duas bestas presas aos tornozelos, incansáveis, avante, um depois do outro, avante, conduzindo Samuel por dezesseis longos e dolorosos dias de sol”.
O que resta em momentos de sofrimento e dificuldades extremas? Segundo o psiquiatra Boris Cyrulnik, o humor é um dos fatores que possibilita a resiliência. Ainda, relata que o uso do humor pode ser protetor para mente, dando um novo sentido e significado para o trauma.

O humor
“Chegou lá uma moça de hálito tão pestilento que foi preciso pedir um incenso da igreja para que fosse possível voltar a respirar na casa de Samuel. Para essa, além de fazer o ritual na cabeça, ele disse que ela procurasse uma farmácia urgente para comprar pasta e duas escovas: pros dentes e pra esfregar na língua”.
Além de outro aspecto que aparece no livro, e também é fator de resiliência, é a religiosidade e a espiritualidade que contribuem para termos um propósito na vida.

A religiosidade:
O pedido de Mariinha para o filho Samuel:
“-Eu quero que você acenda três velas pra minha alma. A primeira no santuário do meu padim Cícero, a segunda na estátua do São Francisco de Canindé, no dia em que você puder ir lá, não carece de pressa. E a terceira é pra Santo Antônio, porque ele era o santo de devoção da minha mãe”.

O sonhar:
“A música conseguia destrancar algum lugar no peito de Samuel, uma gaveta de sonhos antigos. Houve um tempo em que ele sonhava”. Descrição de Socorro Acioli sobre o protagonista Samuel ao escutar a Voz que Canta, uma voz que canta e lhe permitiu se apaixonar e ficar fixado na mesma”.
Destaco ainda, o fantástico como recurso literário, como uma forma de proteção para a saúde mental, o fantástico permite sairmos da realidade, mudar a perspectiva. Vejo a mudança de perspectiva como fundamental para podermos ter empatia e se colocar no lugar do outro, entender outras realidades.

O fantástico:
“O fato é que Samuel tinha o poder inexplicável de ouvir os segredos que só Santo Antônio poderia conhecer”.
O personagem Samuel é cativante, ele é grato à sua mãe e quer honrar sua história cumprindo a promessa de Mariinha. Honremos Socorro Acioli e seu legado!

Biografia da autora:
Mariana Paim Santos, é psiquiatra em Porto Alegre, adora ler e acredita no poder transformador da literatura, de grupo de mulheres e clubes de livros.