Uma longa história…

Tudo começou em março de 2021, no segundo ano da pandemia e ainda estávamos muito assustados. Descobri minha gravidez através de um teste de farmácia e eu e meu marido, Leonardo, ficamos muito felizes. Seríamos papais, quatro anos após termos nos conhecido, acreditávamos estar preparados para tal papel e passamos a sonhar como seria nosso filho ou filha. A gestação era inicial, em torno de 6 semanas, e realizei um exame de sangue beta HCG que estava em 328 mUI/ml, que significava positivo para gravidez e com um número normal para uma gestação de até 4 semanas. A médica nos explicou que nos primeiros três meses de gestação o risco de aborto espontâneo era muito grande e optamos por não contar para ninguém para, caso isso ocorresse, não nos frustrarmos. Hoje percebo que nos frustramos mesmo não contando, e talvez tenha sido pior porque depois ninguém entendia o que estava acontecendo.

Em 10 de março de 2021 tive um sangramento, fiquei assustada, entrei em contato com a médica e lembrei da fala que nos primeiros três meses tinha muito risco de aborto, mas no fundo tinha esperança que não era nada demais e estaria tudo bem com meu bebê. Nesses dias estaria por volta das 8 semanas de gravidez. Consegui uma consulta de encaixe para o mesmo dia, na consulta ela foi me examinar e realizar um ultrassom e me falou: não tem embrião e nem batimentos, aparentemente você está tendo um aborto, o saco gestacional está se desfazendo. E me mostrou na tela: vou precisar que você faça dois exames de beta HCG seriado, se o beta cair é porque é um aborto mesmo. Nesse momento meu mundo desabou, a esperança que eu tinha foi por água abaixo e eu estava sozinha na consulta. Saí de lá desorientada e ainda precisava lembrar onde tinha deixado o carro estacionado. O Léo sabia da minha consulta, e não pode faltar ao trabalho, mas como estava em um trabalho externo conseguiu passar na frente no exato momento em que eu saí. Eu ainda não tinha chorado, quando o vi me perguntou o que a médica tinha falado, falei que estávamos perdendo nosso bebê e comecei a chorar, ele me abraçou e pediu para eu me acalmar pois tinha que voltar para casa dirigindo.

Peguei o carro e dirigi chorando até em casa, parecia que não era real o que estava acontecendo. Cheguei em casa, minha mãe já estava na expectativa esperando, somente a abracei e disse que a princípio era um aborto que estava acontecendo.

No dia seguinte, sexta-feira, fui fazer a coleta de sangue do exame de beta HCG, resultado deu 62.000 mUI/ml, pesquisei no Google e achei o valor bem alto para início de gestação. Segunda-feira repeti o exame e o resultado deu 120.000 mUI/ml, fiquei surpresa pois ela explicou que se diminuísse era porque era um aborto, mas agora tinha aumentado. Pensei, com uma pontinha de esperança: talvez eu não esteja perdendo.

Encaminhei os resultados dos exames para a médica e ela respondeu: isso é bom, Rosi. Mas vamos fazer um novo ultrassom desta vez na clínica Kozma, em que os profissionais são mais experientes. Pronto. Criou expectativas em mim que eu ainda poderia ter meu bebê. Fui fazer o ultrassom em um setor exclusivo para gestantes. Vi muitas grávidas por lá e fotos nas paredes com bebês lindos. Fui para sala de exames, e a médica que realizou o exame me tratou de uma forma muito acolhedora e disse: eu sinto muito Rosimeri, mas não tem sinal de gestação aqui, não tem embrião e nem batimentos cardíacos e o seu útero está com coágulos e com característica de gestação molar. Vou entrar em contato com sua médica, você precisa fazer uma curetagem logo. Meu mundo desabou novamente, muitas dúvidas, curetagem, o que é isso? É muito difícil fazer? Vou precisar ir para hospital em meio à pandemia? Gestação molar, o que é isso? O Google sempre me salvando, ou não, descobri que a gestação molar era uma doença um tanto rara, e que em vez das células se dividirem e formarem um bebê elas formavam esses coágulos e material no útero e que precisava ser retirado.

Mandei mensagem para a médica que me acompanhava pedindo para que olhasse meu exame pelo site da clínica, e que a outra médica entraria em contato com ela. A resposta que tive é que estava sem tempo e quando pudesse olharia. Fiquei na agonia do que seria feito nos próximos dias. Já completava uma semana dos exames de beta HCG, quando a médica foi olhá-los, em um domingo, e me pediu uma consulta de emergência para o dia seguinte. Fui na consulta, desta vez minha mãe me acompanhou, a médica me explicou que eu precisaria fazer o procedimento cirúrgico, olhou minha carteira do convênio, viu que tinha tempo de carência e disse que eu deveria fazer tudo pelo SUS, sem nem perguntar se eu teria condições de pagar particular. Assustada e com muito medo de internação no hospital por conta do COVID, perguntei se eu não poderia fazer o procedimento particular e ela disse que custaria uns 10 mil reais e que não valia a pena, eu devia fazer pelo SUS que o atendimento seria o mesmo que o particular. Percebi que ela não queria realizar o procedimento e transferiu a responsabilidade. Cheguei em casa, consegui contato com meu pai que trabalha no interior, e ele disse que era para fazer particular que ele pediria dinheiro emprestado para fazer, o importante era minha saúde. Liguei novamente para a médica e pedi para realizar o procedimento particular e não obtive êxito, ela não quis realizar a cirurgia. Arrumei minhas coisas e fui para o Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo, cidade onde resido. O Léo faltou ao serviço para me acompanhar, pois meus pais são mais velhos e eu não os queria no hospital arriscando suas vidas.

Chegamos lá pelas 14h, na emergência e disseram que não podiam me aceitar, pois estavam recebendo apenas pacientes com COVID. Liguei novamente para a médica e falei que estava lá na frente do hospital e eles não queriam aceitar minha internação. Ela disse que faria contato com o centro obstétrico explicando minha situação, pois mesmo com o encaminhamento que ela havia me dado anteriormente não tinha sido suficiente. Em alguns minutos ela me retornou e disse que já poderia internar. Consegui a internação e fiquei sentada nas cadeirinhas lá dentro da sala de emergência. A princípio era para o meu procedimento acontecer no mesmo dia, mas decidiram realizar um ultrassom no outro dia antes de uma curetagem. Dormi muito mal aquela noite, estava assustada, com medo, sem poder ter acompanhante e nem uma cama para dormir. Pedi uma cobertinha pois estava frio para ficar somente com aquela camisola de hospital e dormi na cadeira.

No outro dia, por volta das 10h da manhã me levaram para o ultrassom, o médico examinou e não me falou nada, chamou outro médico para olhar que não me falou nada. Resolvi então perguntar como estava o útero e se era a tal gestação molar mesmo, eles disseram que nunca tinham visto mola, mas aparentemente era sim, eu devia continuar aguardando para realizar o procedimento. Meu beta HCG estava com o número de 382.000 mUI/ml.

Me deixaram em NPO (Nada por via oral) – aprendi até as siglas de hospital – que significa ficar sem se alimentar para realizar a cirurgia e poder receber a anestesia. Meus olhos tentavam sempre ver o que estava lançado na minha ficha no computador, dependendo qual enfermeira era eu perguntava e ela me deixava olhar.

Passou o meio dia, vieram os residentes da ginecologia para me examinar, pediram para eu contar tudo novamente, contei, explicaram que eu faria a curetagem às 16h, e o material seria coletado e enviado para biópsia, e que geralmente tinha suspeita de gestação molar e depois o resultado dava “apenas” um aborto. Minha torcida nesse momento estava sendo para que fosse “apenas” um aborto. Me explicaram que comprimidos seriam introduzidos para induzir o “parto” pois meu colo do útero estava fechado, e eu respondi, com medo, ok.

Voltei para a sala de emergência com as enfermeiras, que me questionaram o que seria feito. Contei, e uma delas me disse: bah! Você vai sofrer, você vai ter as dores de um parto normal depois que colocarem esses comprimidos, precisará ser forte. O que já estava difícil para mim, só piorou, não tinha meu marido junto e nem meus pais para chorar e pedir um abraço, precisei chorar ali na emergência em meio aos outros pacientes para tentar aliviar um pouco do terror que eu estava sentindo. Eu chorava e pensava, poxa, vou ter que passar pela dor de um parto e tudo em vão, se fosse para ganhar o bebê passaria o que fosse preciso, mas assim…

Os residentes vieram, me levaram para outra salinha, introduziram os comprimidos e me levaram para outra sala da emergência que tivesse uma maca disponível para que eu pudesse aguardar deitada a abertura do colo.

Naquele momento, fiquei em uma maca em frente a um grande relógio, era por volta de 14h30, deveria aguardar até às 16h, e só esperava o momento que chegariam as dores insuportáveis. Durante essas horas vi as pessoas chegarem de ambulância na emergência, um homem que estava ao meu lado estava todo quebrado, tinha sofrido um acidente. Rezei muito, sabia que o Léo estava lá fora agoniado, meus pais em casa desesperados. Deixaram apenas uma pessoa entrar pra me ver antes do procedimento, entrou minha cunhada, me disse pra ser forte mas vi que saiu chorando tentando se segurar. Pedi para Deus que me protegesse na cirurgia, que eu era jovem e ainda não tinha feito tudo que desejava, e que se ele me desse uma segunda chance eu aproveitaria muito o tempo aqui. Senti aquela sensação de quando desce a menstruação, mas sem dor, chamei a enfermeira falei que acho que tinha sangrado mais, eu estava com uns paninhos que vim de casa, ela olhou e disse que tinha saído muito sangue e iria trazer uma fralda. Colocou uma fralda em mim e a hora do procedimento estava chegando, mas na hora pensei, meu colo abriu e não senti dor nenhuma, lembrei da enfermeira, por que ela havia me assustado e me apavorado, se não era isso que ia acontecer? Mas fiquei aliviada por não ter sentido dor. ÀS 15h45 ouvi meu nome em algum lugar, Rosimeri Pereira subir para o bloco cirúrgico, meu coração disparou, medo, muito medo e eu via no rosto das enfermeiras que me acompanhavam ao centro cirúrgico que estavam com pena de mim, mas ao mesmo tempo diziam: vai dar tudo certo, você vai ver.

Cheguei no bloco cirúrgico. Logo em seguida chegou o médico anestesista, Dr. Jaderson. Eu o conhecia pois era aluno na escola de inglês onde trabalhei e ainda estudo. Pensei: vou falar que o conheço para tornar meu atendimento talvez “melhor”. Mas mesmo antes de eu me apresentar, ele já tinha sido super atencioso e tentado me manter calma. Depois que comentei ele começou a conversar comigo sobre as aulas da teacher para me deixar menos nervosa quanto à anestesia, precisei fazer o tipo de anestesia raquio (utilizado em cesáreas) pois estavam poupando sedativo para os pacientes COVID que precisassem ser entubados. A anestesia foi aplicada em minhas costas, logo já não senti mais minhas pernas, ficamos aguardando o cirurgião responsável chegar. Até o momento, estavam só os residentes, falando sobre assuntos do cotidiano (o que para mim soava estranho, parecia que tudo que estava acontecendo era algo normal). O responsável chegou e não falou comigo em nenhum momento, ouvia eles conversarem e no final ele perguntou para um residente se precisava verificar, se não tinha ficado nenhum material no útero, e eu pensava claro né… (risos) procedimento encerrado. Me mudaram de maca, o cirurgião já estava conversando com outras pessoas, passei por ele, agradeci e me despedi. Tive a impressão de que aquele foi o único momento em que ele viu que tinha uma pessoa por trás daquele pano.

Fui para a sala de recuperação em torno das 18h, a anestesia passaria lá pelas 20h. Fiquei monitorando aquele relógio e com muita ansiedade para que meus movimentos voltassem logo. Por volta das 20h30 senti minhas pernas, pedi para enfermeira se podia ir ao banheiro, ela disse que sim, que se eu conseguisse caminhar podia até tomar banho sozinha, me entregou um novo avental e toalha, tomei banho, e voltei para cama, o pior já tinha passado. Aproximadamente às 22h vi o Léo entrando na sala, fiquei feliz, finalmente um rosto conhecido. Me abraçou e perguntou como eu estava, falei que estava bem, perguntei pelos meus pais e ele disse que estavam mais calmos pois as médicas tinham avisado que tudo tinha corrido bem. Tirou uma foto minha e mandou pra eles, era nossa única forma de conexão em meio à pandemia. Falou que só conseguiu entrar por alguns minutos porque conseguiu convencer o guarda do hospital, saiu e disse que no outro dia eu estaria em casa. Dei alta no outro dia, ao meio dia. Pediram minhas roupas que foram trazidas por meu pai, algo que me preocupou muito, pois não o queria vindo no hospital. Me troquei e voltei pra casa. Aliviada porque o pior tinha passado, só precisaria voltar ao hospital para o resultado da biópsia e acompanhar o beta HCG. Voltei na semana seguinte, beta tinha baixado de quase 400.000 mUI/ml para 20.000 mUI/ml, maravilha, logo estaria zerado. Resultado da biópsia: mola hidatiforme completa.

Na semana seguinte, lá estava eu para acompanhamento de beta HCG, resultado 36.000 mUI/ml. Fui convencida a aguardar na emergência, já assustada porque os números tinham subido muito. Acho que os médicos também estavam bem desconfortáveis com esse resultado. Me chamaram e disseram que optaram por realizar um novo ultrassom e um raio x do pulmão porque tinham suspeita de a mola ter invadido algum dos órgãos, o que explicaria esse resultado. Fiquei internada durante uma semana, em meio a exames de raio x, tomografia de pulmão, ressonância, tomografia de pelve e exames de sangue. Em resumo eles “me viraram do avesso” e só conseguiram diagnosticar com certeza o tumor na parede do útero, e que no pulmão havia alguns nódulos mas não conseguiam afirmar se eram antigos ou resultado da mola. Me encaminharam para a oncologista, que disse que eu precisaria de quimioterapia, mas seria uma não tão agressiva e que não perderia o cabelo. Mesmo assim meu mundo virou de ponta cabeça, eu estava com câncer e precisaria de químio. Passei o final de semana em casa processando ou chorando tudo aquilo. E na segunda voltei para o hospital para fazer a primeira semana de quimioterapias. O beta seguia subindo, já estava em 120.000 mUI/ml. Na outra semana voltei para aplicação das quimioterapias mas não precisava ficar internada, fazia a medicação e voltava para casa.

Em meio a esse tratamento, certa madrugada, em torno das 2h, acordei com vontade de ir ao banheiro, quando levantei da cama senti o sangue escorrer em minhas pernas, corri para o banheiro, estava tendo uma hemorragia. Chamei o meu marido, que estava dormindo. Assustado, ele disse que me levaria para o hospital. Avisei minha mãe, que levou mais um susto, coitada, fui para o hospital. Passe a noite na sala de emergência para aguardar os médicos me avaliarem e saber o que estava acontecendo. Durante a madrugada veio uma das residentes que me acompanhava me avaliar, disse que a parede do útero estava sangrando, mas não sabia o motivo. No outro dia, por volta das 8h veio outro residente me avaliar. Não era dos mesmos que me acompanhavam, e disse que eu podia ir para casa, que não iam fazer um ultrassom e que devia ser normal da mola por estar em tratamento quimioterápico. Depois em Caxias, é que soube que normal não era, que novo material havia se criado no útero e ele acabou expulsando espontaneamente.

Continuei o tratamento e o beta HCG subindo, agora já estava 190.000 mUI/ml. A médica falou que agora precisava mudar o protocolo de quimioterapia pois o metotrexato não estava dando resultado. Nesse dia o desespero veio também, chorei muito, estava me esforçando e passando por muita dor ali e mesmo assim não estava adiantando.

Esse momento considero o mais importante dessa longa história: uma das minhas melhores amigas da pequena cidade em que eu morava na infância, estava acompanhando tudo o que eu vinha passando e contou que a irmã dela tinha sido diagnosticada com a mesma doença e como tinha sido tratada. Graças a Deus foi resolvido com uma aspiração mas nesse tempo, ela havia conhecido um grupo no Facebook com médicos especialistas na doença chamado: Associação Brasileira da Doença Trofoblástica Gestacional e pensou que talvez pudesse me auxiliar de alguma forma, que via muitas meninas buscarem tratamentos em outras cidades e obtinham êxito em seus tratamentos.

Entrei no grupo, escrevi meu relato do que vinha acontecendo nos últimos meses. Logo em seguida o Dr. Maurício Viggiano me respondeu: vá o quanto antes para Centro de Referência de Caxias do Sul com o Dr. José Mauro Madi, o contato dele é tal. Chamei o médico ele me orientou também para que fosse consultar o quanto antes com ele. Consegui consulta para dali a dois dias, meus pais me levaram. Dr. José Madi foi muito acolhedor conosco, percebeu o quanto estávamos apavorados e desesperados com o que estava acontecendo e foi muito esclarecedor, objetivo e sincero: você vai precisar fazer seu tratamento aqui conosco, preciso tais exames, a quimioterapia que você precisa fazer será uma mais forte mas você ficará curada. Minha preocupação naqueles dias era o meu cabelo, perguntei se meu cabelo iria cair, ele respondeu: sim, você vai ficar com a cabeça pelada igual bundinha de bebê! olhei e pensei: ele está brincando comigo, perguntei: é sério doutor? Ele respondeu: sim, mas prefiro te ver careca e você durar por muitos anos do que te ver com cabelo e você durar alguns meses. Engoli o choro, meus pais também, mas ouvi as orientações que precisaria fazer para a próxima fase de tratamento. Ele ligou para Dra. Janaína Brollo, oncologista que iria realizar meu tratamento lá. Eu precisava fazer uma nova aspiração, pois tinha se criado mais material no útero. Fiz uma nova aspiração, no hospital da Unimed de Caxias, ainda em meio à pandemia. Precisei fazer o teste COVID pois para entrar na maternidade deveria ter teste negativo. Internei no início da noite, o procedimento foi com anestesia geral, só acordei depois dentro da maternidade, ouvi os chorinhos de bebê mas era tanta coisa para pensar que nem pensei sobre eu não ter o meu, no momento precisava lutar contra esse tumor no meu útero. Pertinho da meia noite dei alta, minha mãe estava no apartamento nos esperando, o pai que ficou de acompanhante comigo, pegamos o Uber e fomos levar tranquilidade para minha mãe. No outro dia viajamos de volta para Passo Fundo, devíamos aguardar o início da quimioterapia em Caxias do Sul.

Essa segunda aspiração foi no dia 12 de maio de 2021 e iniciei a nova quimioterapia no dia 17 de maio de 2021. Sempre vínhamos para Caxias no domingo, posávamos em apartamentos que eu aprendi a reservar pelo Airbnb, a mãe ficava no apartamento, mesmo não podendo acompanhar no hospital, o fato de estar na cidade já a deixava mais tranquila. Geralmente internava cedinho da manhã na segunda (em meio a pandemia, tudo dependia se teria leito disponível para internação, pois havia muitas pessoas internadas pela COVID) mas graças a Deus sempre conseguia vaga se não no hospital da Unimed conseguia no hospital Saúde (internava no máximo no início da tarde), o pai novamente de acompanhante (aqui vou fazer um comentário: porque o pai e não a mãe? A ideia inicial era para eles se revezarem, mas acho que no fundo ele queria poupar o sofrimento da mãe em me acompanhar e ver tudo o que eu ia passar, sem falar em ter mais força para me auxiliar caso eu precisasse, ele já havia cuidado da irmã que teve leucemia e da mãe dele em hospital, se considerava mais forte). Comecei as medicações de preparo, e a quimioterapia começava logo em seguida. Tinha uma medicação que durava 12h ininterruptas e começava início da noite e terminava cedinho da manhã, eu não conseguia dormir, era muito desconfortável estar com dois acessos nos braços, sendo um para medicações de preparo e outro para quimioterapia. No outro dia seguia com mais quimioterapia até início da tarde. Por volta das 15h recebia alta. Meu pai e eu pegávamos o Uber, íamos para o apartamento, pegávamos nossas coisas e voltávamos para Passo Fundo. A próxima parte do tratamento acontecia dali a 7 dias, na clínica Cecan em Caxias em que eu não precisava ficar internada, então saíamos de madrugada de Passo Fundo, iniciava a quimioterapia às 8h e terminava às 11h da manhã, assim um ciclo se completava. Foram assim 9 ciclos, de maio até setembro de 2021, e o beta foi caindo gradativamente.

Como foram meses de medicação, minhas veias acabaram não suportando mais e a única forma de seguir o tratamento seria o implante do cateter. Senti muito medo por passar por mais uma cirurgia (para quem nunca havia passado por nenhuma) mas foi um procedimento muito bem organizado e realizado no hospital Saúde de Caxias do Sul, com médicos especialistas nos assuntos e preocupados com meu bem estar. Realizei o procedimento em agosto de 2021. Foi dolorido e estranho até se adaptar com o cateter mas eu sabia que era uma dor necessária para seguir com o tratamento.

Em setembro de 2021, meu beta HCG que vinha somente diminuindo, apresentou um pequeno aumento: de 42 mUI/ml foi para 87 mUI/ml após uma sessão de quimioterapia. Novamente um desespero, vinha evoluindo tão bem, apesar de ali eu já estar bastante debilitada. Perdi todo meu cabelo, engordei e inchei muito, tinha muitas reações como náuseas, fadiga e mal estar. A oncologista nos explicou: aconteceu resistência ao tratamento, precisaria mudar o protocolo para um tipo de quimioterapia mais forte. Ali fiquei com muito medo de morrer, pois percebia o meu organismo se entregando a cada ciclo e ainda teria fazer que medicações mais fortes? Mas era a única opção, chorei muito mas encaramos o novo desafio.

Em outubro de 2021, iniciei um novo tratamento, que acontecia a cada quinze dias com medicações na clínica Cecan, durante sete horas ininterruptas. Viajávamos a cada quinze dias para Caxias, no domingo. Pernoitávamos e no outro dia eu já estava na clínica e fazia a medicação das 8h às 15h. Ali mesmo já começavam as reações: já não conseguia me alimentar, sentia um cansaço, me olhava no espelho e só me via amarela, nesses procedimentos na clínica eu ficava sozinha, não podia ter acompanhante, e a cada 1 hora eu precisava ir ao banheiro. Ficava feliz que meu organismo estava processando bem toda aquela medicação mas era estranho não ter alguém para me ajudar com aquele tripé e todo aquele misto de sentimentos. Às 15h íamos para o apartamento, eu tomava um banho para dar um ânimo para a viagem, arrumávamos nossas coisas e viajávamos novamente para Passo Fundo. Na semana que eu fazia a quimioterapia, 24h depois eu precisava receber a aplicação de injeções para aumentar a imunidade que seria afetada pela quimioterapia. Essas eu conseguia fazer em Passo Fundo nos postos de saúde próximos. Era dolorido mas necessária para eu me recuperar para as próximas sessões. As injeções vinham preparadas e organizadas de Caxias do Sul para somente serem aplicadas aqui e eu não precisar ficar mais dias fora de casa. Então era necessário a aplicação delas durante três dias após a quimioterapia em qualquer posto de saúde que eu pudesse aplicar em Passo Fundo. Procurei o posto de atendimento próximo aqui de casa. Durante uns três ciclos ia até lá para aplicação. Por volta da quarta vez que fui até lá, a enfermeira me questionou: você não pensou em aplicar essas injeções você mesma em casa? Respondi: eu não sei aplicar e também sinto medo de aplicar e colocar fora o medicamento. Ela insistiu e me explicou todo o procedimento como eu deveria fazê-lo. Ouvi tudo mas pensei: não virei mais aqui. Procurei outro posto de atendimento em outro bairro próximo da minha casa, e lá fui muito bem acolhida. Mesmo não pertencendo à região de atendimento a secretária e as enfermeiras prontamente se dispuseram a aplicar as injeções sempre que precisasse, pois para elas não custava nada e gostariam de me ajudar de alguma forma. Sou muito grata a elas por essa simples atitude, que para mim fez toda diferença. Quando finalizei meu tratamento fui até lá para agradecer e dizer que estava bem graças a elas também. Ficaram emocionadas e felizes em me ver bem.

Assim foi a cada quinze dias, durante dois meses, o beta HCG finalmente negativou (ficou abaixo de 5,0 mUI/ml) e ainda assim eu precisava fazer mais dois ciclos de consolidação que seria para acabar definitivamente com qualquer célula cancerígena que ainda poderia ter ficado no corpo. Fiz os últimos dois ciclos de consolidação somente com a força e motivação de que eram os últimos, que estava na reta final da cura! Terminei o último ciclo de quimioterapia no dia 10 de janeiro de 2022.

Em fevereiro tive minha consulta de rotina com a oncologista e o ginecologista e então o próximo passo era o acompanhamento através de exame de sangue do beta HCG todos os meses. Ele precisava se manter negativo para se considerar finalmente a cura da doença.

Em março de 2022 fomos novamente para Caxias para cirurgia de retirada do cateter pois confiávamos que não seria mais necessário tê-lo pois a doença tinha se acabado. Foi um procedimento rápido e pudemos voltar para casa no mesmo dia.

Durante doze meses, todo dia dezessete de cada mês lá estava eu no laboratório para coleta de sangue, o medo sempre junto, mas a fé de que seria mais um negativo para conta. A ansiedade em cada exame era grande e foi difícil lidar com ela, mas consegui.

Meu acompanhamento acabou em 10 de janeiro de 2023, todos os exames permaneceram negativos, o que significa que estou curada. Retornei para consulta de alta com o Dr. José Mauro Madi e Dra. Janaína Brollo no dia 06 de março de 2023 e finalmente ouvi a fala tão esperada, você está curada, você está de alta, vida normal, vida que segue…

Escrever essa longa história tem como objetivo poder ajudar outras mulheres que talvez tenham passado ou estão passando pelo que eu passei, e que talvez não tenham encontrado o diagnóstico e tratamento adequado para a doença. Visa também a divulgar essa doença, pouco conhecida, mas não tão incomum. É preciso divulgá-la para que mais mulheres encontrem a cura e tratamento adequado.

O objetivo também é homenagear todas as pessoas que fizeram parte dessa história, que foram importantes para eu estar aqui hoje, desde meus pais, marido, amigos, conhecidos e principalmente esses médicos que me curaram em Caxias do Sul – RS: Dra. Janaína Brollo e Dr. José Mauro Madi.

É importante destacar que o tempo é essencial para cura da doença trofoblástica gestacional. Para quem ler este texto e estiver precisando de ajuda, considero extremamente importante realizar acompanhamento psicológico, ter um espaço para compartilhar suas dúvidas e angústias como o grupo no Facebook, buscar o atendimento especializado para o tratamento da doença como Centros de Referência (CR) existentes em todos os estados brasileiros. No Rio Grande do Sul, há dois CRs: o Hospital Geral de Caxias do Sul e a Santa Casa de Porto Alegre, no meu caso todas essas ações foram cruciais para obter a cura.

Através do grupo no Facebook, conheci muitas mulheres que vivenciaram momentos parecidos com o que eu passei, através dele pude ser ajudada e também ajudar outras mulheres que precisavam saber mais informações sobre a doença. Aqui, gostaria de destacar a ação de uma das mulheres que conheci no grupo, a Vânia Souza, ela teve câncer foi curada e após isso fundou o projeto Amparar, uma rede de apoio a mulheres com câncer em Mamanguape na Paraíba, a qual apoia de diversas formas as mulheres que necessitam de ajuda.

É difícil expressar com palavras o que eu sinto hoje, com tudo isso que passei, mas sinto a resiliência e força que tive, e o sentimento de gratidão imensa por estar aqui. Obrigada!

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DOENÇA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL
https://www.facebook.com/groups/443530852424434
Dr. Maurício Viggiano – Goiânia
Dr. Antônio Rodrigues Braga Neto – Rio de Janeiro

Hospital Geral de Caxias do Sul
R. Prof. Antônio Vignoli, 255 – Pres. Vargas, Caxias do Sul – RS, 95070-561
(54) 3218-7200
Dr. José Mauro Madi – Ginecologista
Dra. Janaína Brollo – Oncologista

Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
Rua Professor Annes Dias, 295 – Centro Histórico, Porto Alegre – RS, 90020-090
(51) 3214-8080

Projeto Amparar
@projetoampararof
Rede de apoio a mulheres com câncer
Mamanguape na Paraíba
Fundada por Vânia Souza
PIX para doações: Celular 8398630-7884

Texto por Rosimeri Miranda

Fotos